sábado, setembro 29, 2007

Ihhh...

Bão, estava meio longe, com dois projetos, um deles o livro que está por aí. Mas retomei as atividades, provavelmente com posts um pouco mais espaçados. Ei, não é fácil. Ou até é, mas pra que confessar?
Mando o próximo aí embaixo, e vou pensando em outros.
Abração.

Homenzinhos

Você acorda e tem a impressão de que quebraram a sua cabeça em duas e usaram a gema e a clara em alguma receita, deixando só um oco e a casca partida. Daí os olhos parecem inchados, o nariz não funciona direito e seu corpo foi massageado com um pau de macarrão pela irmã mais velha do Maguila. Seu hálito cheira como se tudo o que você comeu de porcarias nos últimos meses voltasse para se vingar e decompor na sua boca. Resfriado é foda.

Não é difícil entender por que na Idade Média o pessoal atribuía muito disso a maus espíritos. Tem que ser particularmente maquiavélico para juntar tantos sintomas desagradáveis em uma só doença. É sério, agradeça pela existência de remédios. Aqui no apartamento foi o que é costume: amanheci sentindo que tinham rastelado minha garganta, e no fim do dia a patroa estava espirrando também. Fui até a farmácia e voltei com uma sacola de coquetéis variados para combater os sintomas, mas com gripe não dá pra se fazer muita coisa: é mais engolir um analgésico, outras coisas que permitam que você não desabe pelo caminho e esperar o ciclo da doença se concluir.

E o sono? Cê passa o dia inteiro com sono, mas, quando deita pra dormir, todas aquelas pequenas incomodações que cê mal sentia quando estava em atividade começam a bater na porta, cobrar o seu quinhão. Daí não adianta contar carneirinhos, fazer um balanço demorado de sua vida, o sono simplesmente não chega. Aí, no dia seguinte você está pior ainda.

E pouco a pouco os sintomas vão se amenizando, dependendo de sua resistência, e sumindo. Pronto. Você passou por mais uma provação. É merecedor, dia desses aparece o anjo com a espada incandescente pra te dar os parabéns. Pelo menos até que cê ande desabrigado de novo, ou pegue uma chuva. Ou beije alguém contaminado, como foi o caso da minha senhôura.

Eu estava me sentindo culpado com essa coisa. Afinal, eu passei a nhaca pra ela. Daí, fazia chazinhos, enchia o saco perguntando de minuto a minuto se o tal analgésico já tinha tido efeito, enfim, sendo tão prestativo que tenho certeza de que ela preferia me mandar pra Lua a me ter a seu lado. Ou pra @$##$%, falando nisso.

Aí, fomos dormir. Ela fungando a cada minuto, eu tentando dormir. Daí veio uma dessas peças que o sonho prega na gente. Acordei no meio de um sonho. Ou sonhei que acordei. E vi eles. Os tais maus espíritos da Idade Média.

Eram homenzinhos deformados, uns quinze centímetros de altura, cor de cocô. Grotescos, mesmo. Vozinhas estridentes, comandando suas ações pra lá e pra cá. Pareciam ocupados. Estavam sobre o rosto adormecido de minha esposa. Um deles fazia uma fogueira na testa dela, atiçando as brasas com um pequeno fole. Outro operava o que parecia ser um complicadíssimo alambique, que pingava uma substância resinosa sobre os olhos dela, eu podia ver as ramelas se formando enquanto aquilo pingava. Outra extensão dos tubos de vidro entrava no nariz dela, que ia escorrendo. Um outro dos bichinhos estava com o que parecia ser uma pena de pavão, enfiando aquilo no nariz dela. Cada vez que ele puxava, ela quase espirrava.

Pior: tinha um com uma cara repulsiva enfiando alguma coisa parecida com uma bota (das antigas, de couro, que usavam pra guardar vinho) na orelha dela. Fiquei impressionado com a seriedade do trabalho das coisinhas. Embora estivessem rindo maldosamente o tempo todo, seu trabalho parecia muito bem concatenado, como o dos marujos naqueles navios grandes, a vela. Mais uns dois estavam pendurados no cabelo. Quando olhei pra baixo vi pelo menos uns vinte deles, pulando que nem loucos em cima do corpo dela. O que ia deixá-la dolorida de manhã. Não tinha nenhum em cima de mim. Eu já estava curado. Aí um deles chegou perto da boca aberta dela com uma broca longa, presumo que pra dar dor de garganta. E outro começou a abrir a braguilha daquelas calças engraçadas que usavam, pra mijar dentro da boca dela e causar o mau hálito próprio dos doentes. E foi aquilo a gota d´água.

Peguei meu travesseiro e investi sobre eles como um demônio. Na primeira saraivada de travesseiro, abati uns quatro. Depois comecei a bater nos que estavam pelo corpo dela.
Aí um travesseiro me acertou na cabeça.

- Está louco?

- Mas, querida, os homenzinhos de cocô estavam acabando com você.

- Vai dormir, seu retardado! Pára com essas maluquices, que eu preciso descansar.

Ela manda. Eu obedeço. Mas não vi mais nenhum dos inimigos aquela noite. Passei vigiando, agarrando o travesseiro com firmeza. No outro dia ela levantou melhor. Me senti um herói.

- Viu? Se não fosse por mim você estaria muito mais doente agora.

- É. Você cuidou bem de mim.

E me deu um beijo. Acho que não sabia do que eu estava falando. Mas não me deixei desapontar. Afinal, a vitória era minha.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Livro: Histórias de Terrir

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Conforme prometido, aí estão os contos reunidos em um livro. É pena que não tenha fundos pra imprimir e enviar para os amigos. Mas fazemos o que podemos.

Cês vão ver que, basicamente, é o que estava no blog, que eu vou excluindo aos pouquinhos, porque sou muito preguiçoso e dá um trabalhão do cão excluir um monte de mensagens. Claro, tudo revisado e arrumado, mais uma diagramação primorosa do Caio e ilustrações fantásticas do Mainardi. Estamos aí.

Quem quiser comentar, eu agradeço. Não sei se sou só eu, mas preciso de um carto feedback que me assegure de que não estou, de alguma maneira, fazendo merda. Mas compreendo se cê tiver numa leseira desgraçada e não se der ao trabalho. Sou bem assim também.

Abração pra todos.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Aviso aos Navegantes

Pessoal, pra quem gosta de ler os troços que eu escrevo por aqui, aviso que o blog vai sofrer um "reset" logo. Vou passar a maioria dos postas daqui pra um e-book, formato .pdf, e disponibilizar como um livro de contos chamado "Histórias de Terrir". Nem eu esperava isso. Mas aconteceu.
As histórias de terror começaram a fluir meio que sem querer, porque eu lia muito disso e acabei cheio de assunto sobre o tema. Mas a minha cabeça vaga tanto de um momento para o outro que eu não posso evitar de divagar no meio das histórias. Claro, tem mais por trás. Quem ler o documento, vai saber de onde veio a idéia. Mas uns posts vão sumir.
Então, pro pessoal que gosta particularmente de uma baboseira (história) ou outra, o melhor é copiar. Ou procurar no e-book (vai ter indicação de página). Faço isso porque acho legal a idéia (Duh!), e também porque não quero me sentir muito preso a determinado estilo. E também porque cheguei nos 23 contos, e como 23 é um número mágico...
Enfim. Vai estar tudo disponível aqui, sem mudança. Diferença é que cês vão ter que baixar o documento pra ler tudo. Ou copiar os favoritos agora. Falou? Abraço procês.

domingo, setembro 09, 2007

Bush ESMAGA homenzinhos!!!!

Tava dando uma surfada pelos blogs da vida e vi um monte de posts falando do Bush. Aí, como sou fã assumido do cara, não posso deixar de comentar aqui também. Ei, largue o monitor, cê não vai conseguir me acertar aqui, e tem que me deixar explicar por que é que me considero fã do cara.
Em primeiro lugar, ele tomou a presidência através de um golpe de estado. E é essa a verdade. Os figurões tinham decidido que ele seria o próximo presidente, e não teve conversa: ao perder por pouco, fraudaram a eleição. Afinal, a oportunidade estava ali, e a América é a Terra da Oportunidade, né não?
Teve uma infância descontrolada, que durou mais ou menos até os 40 anos dele. Aí se meteu na política e, auxiliado pelos recursos faraônicos do Bush pai, prosperou. Aliás, os tais recursos incluem estreitas relações com a família Bin Laden... vai entender...
Ao assumir, que que ele fez? Partiu pro pau! Acho que tentando mimetizar as ações do paipai. Sério, acho que Pavlov explicaria muito melhor as ações do Bush que qualquer analista político. Ele fez porque viu fazerem. E ponto. Teve ganância no negócio, oportunidade (de novo), necessidade de crescer na opinião pública americana como só uma guerrinha boa proporciona. Mas o fator paipai, na minha opinião, pesou.
Os pontos de vista do Bush no tocante à ecologia, política internacional, impostos a importações e coisa e tal, beiram o realismo fantástico. Acho que o único jeito de tentar explicar as atitudes do cara nem relam a psicologia, nem a política. Pessoalmente, fico com a endogamia como explicação. Às vezes, sai um Bush. E, depois de dois mandatos, tá tocando horror pra eleger um sucessor. Deus não permita. Sou mais Hillary Clinton que Condoleza. Ei, até comeria a Hillary.
Eis que divago. E falo bobagem. Foi mais pra atualizar o blog e colocar lenha na fogueira.
Té mais.

segunda-feira, agosto 20, 2007

Puteada 11/09

Dia 11 de Setembro de 2001 eu estava tomando um café na frente da TV (caixa maldita de barulho), quando tocou o telefone.

- Alô.

- Alô. E daí, viu o ataque aos Estados Unidos?

Nessas, não sei o que deu, mas entendi “dos” Estados Unidos.

- Ah, vi, sim. Um horror, né?

Não sei se você lembra, mas naquele tempo os EUA estavam mandando ver no Iraque, acertando escolas, hospitais, qualquer coisa que não fosse um alvo militar. Assim, ao ouvir falar as palavras “Estados Unidos” e “ataque” na mesma frase, nada mais natural que assumir que os agressores eram ao americanos. Afinal, era a praxe.

Daí eu estranhar quando o meu amigo saiu comentando “Pô, que horror”, “mais de duas mil pessoas” – que eu achei um eufemismo, tinha morrido muito mais gente. Mas concordei com quase tudo (era manhã, eu ainda estava tomando café) e desliguei, estranhando todo aquele excitamento. Foi o trabalho de desligar e ter que levantar o fone de novo. Outro amigo, outra reação exacerbada.

- Tu viu na TV?

- Vi. Caixa grande, parte da frente de vidro. Fica em cima da estante e grita com você.

- Deixa de ser bobo. Viu o acidente? Naquele momento ainda estavam chamando de “acidente”.

Aí, relutantemente, tirei a TV do Ligeirinho e comecei a assistir a reportagem, com o telefone na mão. “Cagaram no mundo, maninho!!”, gritava a voz no telefone, e eu tentava desengolir a dentadura. Porque mesmo naquela manhã estava claro que era uma taque organizado aos Estados Unidos. Por quem, e de que forma, ainda não sabíamos. Estaríamos diante da Revolução?

A que esperávamos? A que mudaria o mundo e NOS colocaria no topo? Quem sabe não conseguíamos uma boquinha em algum lugar? E, na pior das hipóteses, o Bush tinha ido! Já não era pouca coisa.

De repente o mundo parou. Sendo eu uma parte do mundo, acho que exagerei na colocação.
Deixa eu reformular: o RESTO do mundo parou. Eu fiquei ali, abismado, no silêncio. E tinha um fulano me olhando no canto da sala. A minha mente realizou um rápido cálculo, com o susto – que parece ser o único jeito da minha mente fazer um cálculo rápido – e vi que atirar o café nele não ia adiantar nada. Além do que, ele estava na frente da janela. E era o meu avô.

Fora de brincadeira, meu avô falecido há anos tava ali, com a mesma boina fedorenta que ele se recusava a tirar, o mesmo jeitão de quem não está à vontade junto ao resto da espécie humana, o mesmo tudo. Ele mesmo.

Estava fumando um palheiro de cheiro horrível, cheio de lembranças de infância. Eu estava mais ou menos com a expressão e a atitude daquele quadro “O Grito”, de Munch. O velho me olhou feio. Aí comentou:

- É triste ver um parente se divertindo com a morte de milhares de pessoas.

Até pensei em argumentar “mas eles são americanos”, mas senti que não ia rolar. E também não teria tempo, porque o ruído do mundo retornou, e tudo voltou ao normal. A diferença básica era de que eu havia levado uma mijada e, sim, me sentia envergonhado de minha óbvia falta de sensibilidade. Como estou até agora. Bate. Bate, que eu güento!!!

sexta-feira, agosto 17, 2007

O Velho

Era um dia frio de inverno, um desses em que o sereno começa a aparecer já no fim da tarde e o sol parece ter olhado para baixo, acordado e ido o mais distante possível da cambada de malucos do planetinha azul. Também era dia de jogo de futebol, embora o sol, o sereno e eu não pudéssemos ligar menos significado à coisa. Mas acontece que um amigo tinha chegado à cidade e, em vez de ficarmos em casa tomando vinho quente com canela e conversando (como sugeri), ele resolveu que era imprescindível que saíssemos e observássemos o movimento da rua. Um desses caras recém-divorciados que resolvem se considerar um presente de Deus para as mulheres e recuperar o tempo perdido, você conhece o tipo.

Aí, acabamos no segundo andar de um bar, ouvindo os gritos do térreo, onde estavam projetando o jogo em um telão. Eu não entendia como as pessoas podiam sair de casa em uma tarde daquelas para assistir vinte e dois caras tentando colocar uma bola através de quatro traves e se carneando no processo. Mas eu sou eu, e eles são eles. Uma filosofia que até então ninguém havia contrariado. Mas o mais chato não era o meu amigo fazendo olhares para meninas da metade da idade dele, nem os gritos que vinham de baixo. Era o velho.

Óculos de tartaruga, um enorme sobretudo preto, cabelo e barbas brancas e uma testa que daria pouso a mosquitos de qualquer capacidade de carga. Ficava bebendo e gritando “carpe diem” a espaços curtos de tempo. Às vezes erguia a caneca e brindava em nossa direção. Eu, hein?

A coisa seguiu assim por mais ou menos meia hora, até que decidi erguer a taça na direção do velho, também, e brindei a resposta para a frase dele:

- Memento Mori.

CRASH!!!

Era a caneca do velho quebrando no chão. Me amarro numa onomatopéia. Ele só ficou nos olhando com aquela cara espantada de quem vê pela primeira vez um prato de sushi, imóvel. Claro, comecei a me arrepender. Não tinha sido bonito. Mas fora instintivo, quase. Enquanto o velho gritava “aproveite o dia”, eu tinha respondido “lembre-se que morrerás”. Mas era a resposta, não era? As duas filosofias discordantes. Só que memento mori não deveria ser usada em um bar, ainda mais com um senhor que não precisava lembrar que memento mori. Pensei em pedir desculpas. Mas ele levantou e se dirigiu à nossa mesa:

- Você é da ordem?

- Não. Eu sou do caos. Sabe, tem essa teoria: a ordem tende a degenerar em caos, enquanto o caos sempre vai crescer a níveis mais complexos de entropia. Daí, acho que é melhor ficar do lado que está vencendo...

- Quero dizer da ordem dos segredos.

- Hã... não?

- Ah, desculpe. É que era uma das senhas que nós usávamos. Antigamente.

- Arram...

Tá, eu ia dizer o quê, então? Aliás, qualquer um que tenha visto meu quarto sabe que não sou muito de ordens... Depois, se começasse a concordar com o velho era capaz de ele me convidar a sacrificar uma cabra qualquer dia e eu, embora goste de churrasco, não valorizo muito o sangue. Exceto em morcilhas.

Mas era tarde: reminiscências tinham assaltado o cara:

- Sabe... nós nos reuníamos nesse lugar, tempos atrás. Esse bar nem tinha sido construído.

- Arram.

- Buscávamos conhecimentos perdidos. Vida longa, influência... mas já faz muito tempo...

- Arram.

- (Acho que esse velho tá a fim de ti.)

- (Calaboca.)

- Enfim, todos se foram. Só fiquei eu. Mas descobri algumas coisas no caminho...

- Arram.

- Bom, eu já vou indo. Prazer em conhecer vocês.

- Arram.

E foi isso. Dois meses depois meu amigo me liga, apavorado, dizendo que achou uma foto do velho, e eu sugeri que eles se procurassem, não existe essa história de certo ou errado, se duas pessoas se gostam. Daí ele apareceu com uma cópia da foto no outro final de semana, e datava de quase dois séculos atrás. Era o velho, embora a barba não estivesse tão comprida, nem tão branca. A legenda dizia: A Ordem dos Segredos – 1812. Dissidentes do positivismo no Rio Grande do Sul, com viés místico, a seita desfez-se e desapareceu na história.

Talvez por uma boa razão. Fica difícil esconder a imortalidade se você fica aparecendo na história toda hora. Voltei ao bar depois. Até enxerguei o velho outras vezes. Mas preferi não me aproximar muito. E você, faria o quê? Ademais, a ideologia positivista sempre pareceu com algo que o gato cospe no tapete, pra mim. Nem quero ouvir falar da dissidência.

terça-feira, agosto 14, 2007

O Copo

Neste ponto você deve estar me considerando um puta mentiroso ou uma espécie de ímã para coisas estranhas. Se isso for verdade, você provavelmente está certo. Tive a fortuna de nascer em uma data e hora estranhas: sexta-feira 13, à uma e treze da tarde (13:13). O quarto do hospital era X13 (não lembro do andar, mas se você for considerar as coincidências até aqui, devia ser 313). E lembro de ter lido uma vez em David Copperfield que antigamente acreditavam que as crianças nascidas na sexta-feira 13 veriam fantasmas e poderiam conversar com eles, uma dessas coisas que ingleses bêbados inventam. Então, se você está buscando uma explicação de algum tipo, pode atribuir a isso. Pessoalmente, acho que tem mais a ver com sincronicidade – que é o nome científico da “coincidência”, com alguns firileques por trás. Tais coisas acontecem porque há um padrão ainda não entendido do qual faço parte. As coisas conspiram para acontecer.

Ou você pode continuar pensando que eu sou um puta mentiroso.

Agora, considere isso: e se, numa dessas histórias absurdas eu te apresentasse ao conceito de um copo assombrado? Pois foi. (Não me bate!!!) E não era um copo qualquer, era um “martelinho”, aqueles pequenos que os bares e boates têm de rodo mas usam pouco, apenas para doses sem gelo ou como medidor de alguma outra coisa. (Por que é que um “martelinho” não é um copo qualquer? Ah, aí não sei explicar. Sei que aquele não era. Mas estou me adiantando – pra variar.)

E agora eu vou ter que introduzir você para alguns de meus maus (cacofônico, né?) hábitos, quando saio à noite. Meu consumo de destilados é normalmente restrito à caipirinha. Acho a maioria das bebidas que passa por alambique amarga, sem graça e intoxicante demais. Mas logo após à tardinha, quando a noite é jovem e o dia frio, às vezes me animo a tomar uma dose de tequila (com limão e sal) para “limpar a garganta”. Quando a festa promete, quando não estou dirigindo, quando me convém. Daí, uma noite dessas, pedi uma tequila e aconteceu de eu reparar que o barman me serviu no único copo verde que tinha na prateleira. Até fiz um comentário engraçadinho a respeito, que ele respondeu com um sorriso profissional e chateado demais para qualquer esperança de entabular uma conversação.

Aí coloquei o sal no punho, chupei o limão, dei umas bochechadas naquela coisa, virei a tequila na boca, meus olhos se encheram de lágrimas e engoli. O mundo deu duas piruetas, como de praxe, senti as bochechas inflamando, pensei que ia explodir e fiquei louco por uma cerveja. Fiz sinal para o barman, acenando pra ele com a consumação.
E ele derrubou o copo que estava segurando. Todo mundo olhou pra ele, me fitando como se estivesse olhando para uma alma chamando por ele de dentro do Inferno. Aí todo mundo me olhou. Pensei em entrar pra baixo da cadeira, mas aquilo provavelmente só iria fazer ainda mais gente me olhar curiosa. E fiquei ali, petrificado, com a consumação entre os dedos. Meus olhos deviam estar tão arregalados que fiquei surpreso em não ter dado uma olhada na minha cara pelo lado de fora. Aí todo mundo voltou às conversas, o clima pareceu reaquecer, e eu olhei de novo pro barman.

Levei um susto. Ele estava do meu lado, olhando pra mim como se eu tivesse pedido que ele acendesse meu baseado. Ou como se ele tivesse decidido que eu era a mulher da vida dele, sem reparar na careca e no cavanhaque. Ele balbuciou:

- M-mário?

- Ah, não. Essa é velha. – Respondi.

- É você?

- Não, eu sou o Sunda, me pergunta por quê.

Aí ele agitou a cabeça pareceu se tranqüilizar e atendeu o pedido do cara que estava do meu lado. Claro que fiquei puto, mas, dada a reação anterior dele, não protestei. Vai que ele pegasse um facão debaixo do balcão e vestisse uma máscara de esqui...

Continuei acenando com a consumação. Ele continuou me ignorando. Até que eu estava agitando a coisa como se fosse um sinalizador para orientar o pouso de aviões. Aí ele chegou pra mim, mal-humorado:

- Sim?

- Eu imploro uma ceva.

- O.K.

Eu já nem estava muito a fim de beber, mas insistindo por princípio. Ele voltou com a long neck e olhou pra mim de um jeito estranho (de novo). Será que ia me passar uma cantada?

- O que você fez?

Meu sangue gelou. De repente senti uma necessidade bárbara de confessar que eu não tinha defendido meu amigo Bolota quando ele foi acusado de matar as galinhas do vizinho (era um cachorro, tá?) e condenado à morte. Felizmente, não fiz isso.

- Como assim?

- A história do disfarce.

- Cara, eu não sei do que cê tá falando. Sempre fui feio assim.

Ele me olhou engraçado, depois olhou para o relógio:

- Você vai ficar até o fim do show?

Pior que tavam tocando música. Nem tinha reparado, com a irritação por não ser servido. Aliás, o show tinha toda a cara de ser bom.

- E se eu ficar?

- Eu quero conversar com você.

- Olha, não me leva a mal, mas eu sou hetero...

- Somos dois. Não tem nada a ver com isso. Você pode ficar? Se não eu te dou o telefone daqui...

- Eu fico.

Preferia não assumir compromisso.



Então, tá. O show era legal. Beatles, principalmente, e outros clássicos do Rock. Logo que acabou o pessoal começou a evacuar o bar. Tinham boates a freqüentar, e o bar não ficava aberto muito mais. Aí o barman chegou, com camiseta e jeans em vez do uniforme azul e cinza, e sentou do meu lado. E me contou uma história.

Parece que a galera do bar tinha uma vida divertida. Depois que o trabalho encerrava, eles se juntavam e bebiam os intestinos pra fora. Sempre era alguma coisa boa, não o que serviam para os clientes. Um dia, bêbados, resolveram jogar o “jogo do copo”. E a coisa tinha funcionado. Só que em algum ponto deu merda, ele não mencionou o quê exatamente, mas parece que o “espírito” do copo queria as bolas deles, então alguém levantou o copo e, na hora, faltou luz.

Admito que eu também teria levado um cagaço, mas o fato é que um cara, chamado Mário, tinha morrido em um acidente aquele dia. Era ele o cara que tinha levantado o copo. Que, por sinal, ficou verde.

“Tá e daí?” Daí que, depois que eu tomei a tequila, quem o barman tinha visto em meu lugar era o tal Mário. E ele me propôs um teste: mais uma tequila, por conta da casa. Neguei veementemente e saí dali.

Até parece. De graça, até ônibus errado... tomei o troço e novamente o cara me olhou como se estivesse apaixonado por mim.

- Mário, é você.

- Cara, não viaja. Estou me vendo no espelho. Não mudei nada, não.

Mas dois outros garçons do bar tinham começado a gritar. Bom, pra resumir a ópera, consegui sair ileso, sem buracos de bala (um cara chegou a puxar um revólver que estava escondido embaixo do balcão), e deixei todo mundo estupefato lá. Todos me viram como o tal Mário, por mais infame que seja o nome. E foi consenso geral tirar o copo da prateleira, porque quebrar metia medo em todos eles. Todos se perguntavam por quê o troço era só comigo. Bão, nem eu sei. Mas pode ter alguma coisa a ver com o início deste texto. Cheguei a imaginar se o Mário não teria uma esposa gostosa que eu pudesse visitar com o copo e uma garrafa de tequila, mas não parecia uma coisa sobre a qual ser leviano.

O mais perto que consegui chegar de uma resposta foi o conceito de “epicentro”. Alguém fornece a energia psíquica necessária para a manifestação sobrenatural. No caso, eu, bebendo do copo. Mas nunca tinha acontecido antes. Se quiser que eu seja mais claro, vou dizer com todas as palavras: não sei. E ficamos assim.

O bom foi que, até tudo ser constatado, bebi um monte de graça. E nunca mais voltei, nem sei se tiraram mesmo o copo. Abração.