Pansexual
- Beleza. Eu sou agnóstico.
Camila riu. Eu sabia o que pansexual queria dizer, mas não iria admitir por nada no mundo. Queria ver onde é que ela queria chegar com aquilo. Quer dizer, você não se apresenta para um pessoa dizendo algo como “oi, eu gosto de trepar com cobras”, a não ser que queira demonstrar atitude. E, se você está tão desesperado para surpreender ou fascinar os outros, alguma coisa não está legal em você. Ou nos outros.
Pansexual é aquele fulano que às vezes é pego se esfregando na poltrona nova, com o pau enfiado no tubo do aspirador ou acariciando a samambaia: vale tudo. O que desperte tesão, o que atraia. Camila me disse que um de seus orgasmos mais intensos foi com a cueca usada de um amigo de seu irmão mais velho, uma carrada de anos atrás. Disse que gozou só de enfiar o troço na cabeça. E se, naquele instante, você desse uma olhada na minha cara, poderia pensar que ela estava comentando que o tempo estava feio (estava), ou algo assim sem importância.
Ela me disse que vê o mundo em termos diferentes, tudo é uma questão de energia sexual. Ela podia observar uma palmeira, por exemplo, e sentir um tesão quase incontrolável por aquilo, dependendo do jeito que a energia “da coisa” batesse nela. E, se pudesse, ia adiante. Em compensação, havia muitos homens que não despertavam nela a mínima reação. Tava achando que era um deles, mas continuei concordando.
- Eu gosto de plantas. – Disse ela. – Tem um monte de coisas que me excitam, mas eu gosto mesmo de plantas.
- Arram.
- É, eu não sei. Tem uma energia especial nelas, uma coisa diferente que me deixa toda arrepiada. É como se a essência da masculinidade fosse inerte em uma planta.
- Tem plantas fêmeas, você sabe – tentei ajudar.
- Não importa a classificação. É a impassibilidade. A firmeza. Tem um jeitão masculino.
- Tem uma begônia na sacada do meu apartamento que eu tenho quase certeza que é menina – observei.
Ela riu.
- É, pode rir. Mas é assim que eu me sinto a respeito.
- Nenhuma chance de cê dar um pulo lá comigo, então?
Ela me olhou demoradamente, depois chegou o rosto para junto do meu:
- Você está me convidando para ir para o teu apartamento?
O tom dela era tão pressuroso que eu tive que pensar duas vezes: era isso? Era.
- Sim. Quer ir?
- Quero que você venha para o meu apartamento. Quero que veja uma coisa.
Ela tinha aquele olhar da aranha que apanhou a mosca e fica olhando com superioridade pra você. Como se dissesse “E você, consegue fazer isso?”.
Caminhamos até o prédio dela. Entramos no elevador e ela me agarrou. Me deu o maior amasso. Entramos no apartamento. Ela me deu um beijo, perguntou se eu queria uma cerveja, foi buscar na geladeira. De lá de dentro me chamou para a área de serviço, apontou para um vaso e comentou que queria que eu visse aquela plantinha. Era a preferida dela.
Nunca vi nada como aquilo. Ela tinha razão: era indescritivelmente masculina, cheia de energia sexual, possessiva. Um caule bojudo, inchado, de quase dois metros olhou para mim. Eu pude sentir o ódio daquela coisa arrepiando os pelos de meu pescoço. As folhas moviam sem vento perceptível e a cabeça, de forma estrelada, virou-se para me encarar. Meu estômago embrulhou.
Lembrei subitamente que tinha que levar meu canguru para passear, e caí fora dali. Não sei – e nem quero saber – que tipo de simbiose ela tinha com aquele negócio. Mas, em algumas noites insones, a imagem me vem na mente, e não posso evitar pensar no que sairia daqueles obscenos frutos cor de sangue.
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