quinta-feira, dezembro 07, 2006

Coração de Ouro

Ao dia onze de fevereiro de 2002, foi constatado o nascimento de uma criança com coração de ouro no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O acontecimento era inédito. A notícia correu como vento, e todas as alas do hospital comentavam o acontecido, este médico fazendo menção à curiosidade do fato, aquela paciente emprestando ao assunto misticismo. O médico responsável chamou a mãe até seu gabinete, e comunicou-lhe a nova.

“Ouro, doutor?”

“Ouro, minha senhora. 24 quilates.”

“E ele está bem?”

“Está, está passando muito bem. Mas, com a sua permissão, eu gostaria de mantê-lo no hospital, para exames.”

“Exames?”

“Sim, senhora. A senhora vê, uma criança com o coração de ouro é uma coisa inédita, nunca antes vista. É necessário que se mantenha ela em isolamento total. Ela deve ser estudada, compreendida, analisada, até que tenhamos certeza do que originou o fenômeno e se ela tem condições de sobreviver ao mundo externo.”

A mãe esboçou um sorriso.

“Doutor, eu tenho trabalhado como doméstica a minha vida inteira. O meu marido é auxiliar de pedreiro. Quando eu fiquei grávida nós choramos, porque não sabíamos se o nosso filho teria tudo de que ia precisar. Se poderíamos dar escola, comida, tudo do bom e do melhor. O nosso medo é que ele se perdesse. Virasse traficante ou ladrão. Que o coração dele virasse pedra. Ter um filho com coração de ouro é a melhor coisa que poderia acontecer em nossas vidas. Não pelo valor. Mas é o que a gente mais queria. Eu levo o menino.”

Segundo os cientistas que investigaram o acontecimento, a criança poderia ter sido um líder, um pregador, alguém que conduzisse o país. Mas não sobreviveu. Uma bala perdida fendeu o coração de ouro em uma esquina do morro, quando ele voltava com o leite e o pão. Dizem que o coração, ao contato do chumbo vil, forjado para matar, escureceu e se partiu. "Ouro não oxida com ar", dizem os especialistas, "mas a tristeza embaça qualquer material".

E fim.

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