Coração de Ouro
“Ouro, doutor?”
“Ouro, minha senhora. 24 quilates.”
“E ele está bem?”
“Está, está passando muito bem. Mas, com a sua permissão, eu gostaria de mantê-lo no hospital, para exames.”
“Exames?”
“Sim, senhora. A senhora vê, uma criança com o coração de ouro é uma coisa inédita, nunca antes vista. É necessário que se mantenha ela em isolamento total. Ela deve ser estudada, compreendida, analisada, até que tenhamos certeza do que originou o fenômeno e se ela tem condições de sobreviver ao mundo externo.”
A mãe esboçou um sorriso.
“Doutor, eu tenho trabalhado como doméstica a minha vida inteira. O meu marido é auxiliar de pedreiro. Quando eu fiquei grávida nós choramos, porque não sabíamos se o nosso filho teria tudo de que ia precisar. Se poderíamos dar escola, comida, tudo do bom e do melhor. O nosso medo é que ele se perdesse. Virasse traficante ou ladrão. Que o coração dele virasse pedra. Ter um filho com coração de ouro é a melhor coisa que poderia acontecer em nossas vidas. Não pelo valor. Mas é o que a gente mais queria. Eu levo o menino.”
Segundo os cientistas que investigaram o acontecimento, a criança poderia ter sido um líder, um pregador, alguém que conduzisse o país. Mas não sobreviveu. Uma bala perdida fendeu o coração de ouro em uma esquina do morro, quando ele voltava com o leite e o pão. Dizem que o coração, ao contato do chumbo vil, forjado para matar, escureceu e se partiu. "Ouro não oxida com ar", dizem os especialistas, "mas a tristeza embaça qualquer material".
E fim.
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