terça-feira, agosto 14, 2007

O Copo

Neste ponto você deve estar me considerando um puta mentiroso ou uma espécie de ímã para coisas estranhas. Se isso for verdade, você provavelmente está certo. Tive a fortuna de nascer em uma data e hora estranhas: sexta-feira 13, à uma e treze da tarde (13:13). O quarto do hospital era X13 (não lembro do andar, mas se você for considerar as coincidências até aqui, devia ser 313). E lembro de ter lido uma vez em David Copperfield que antigamente acreditavam que as crianças nascidas na sexta-feira 13 veriam fantasmas e poderiam conversar com eles, uma dessas coisas que ingleses bêbados inventam. Então, se você está buscando uma explicação de algum tipo, pode atribuir a isso. Pessoalmente, acho que tem mais a ver com sincronicidade – que é o nome científico da “coincidência”, com alguns firileques por trás. Tais coisas acontecem porque há um padrão ainda não entendido do qual faço parte. As coisas conspiram para acontecer.

Ou você pode continuar pensando que eu sou um puta mentiroso.

Agora, considere isso: e se, numa dessas histórias absurdas eu te apresentasse ao conceito de um copo assombrado? Pois foi. (Não me bate!!!) E não era um copo qualquer, era um “martelinho”, aqueles pequenos que os bares e boates têm de rodo mas usam pouco, apenas para doses sem gelo ou como medidor de alguma outra coisa. (Por que é que um “martelinho” não é um copo qualquer? Ah, aí não sei explicar. Sei que aquele não era. Mas estou me adiantando – pra variar.)

E agora eu vou ter que introduzir você para alguns de meus maus (cacofônico, né?) hábitos, quando saio à noite. Meu consumo de destilados é normalmente restrito à caipirinha. Acho a maioria das bebidas que passa por alambique amarga, sem graça e intoxicante demais. Mas logo após à tardinha, quando a noite é jovem e o dia frio, às vezes me animo a tomar uma dose de tequila (com limão e sal) para “limpar a garganta”. Quando a festa promete, quando não estou dirigindo, quando me convém. Daí, uma noite dessas, pedi uma tequila e aconteceu de eu reparar que o barman me serviu no único copo verde que tinha na prateleira. Até fiz um comentário engraçadinho a respeito, que ele respondeu com um sorriso profissional e chateado demais para qualquer esperança de entabular uma conversação.

Aí coloquei o sal no punho, chupei o limão, dei umas bochechadas naquela coisa, virei a tequila na boca, meus olhos se encheram de lágrimas e engoli. O mundo deu duas piruetas, como de praxe, senti as bochechas inflamando, pensei que ia explodir e fiquei louco por uma cerveja. Fiz sinal para o barman, acenando pra ele com a consumação.
E ele derrubou o copo que estava segurando. Todo mundo olhou pra ele, me fitando como se estivesse olhando para uma alma chamando por ele de dentro do Inferno. Aí todo mundo me olhou. Pensei em entrar pra baixo da cadeira, mas aquilo provavelmente só iria fazer ainda mais gente me olhar curiosa. E fiquei ali, petrificado, com a consumação entre os dedos. Meus olhos deviam estar tão arregalados que fiquei surpreso em não ter dado uma olhada na minha cara pelo lado de fora. Aí todo mundo voltou às conversas, o clima pareceu reaquecer, e eu olhei de novo pro barman.

Levei um susto. Ele estava do meu lado, olhando pra mim como se eu tivesse pedido que ele acendesse meu baseado. Ou como se ele tivesse decidido que eu era a mulher da vida dele, sem reparar na careca e no cavanhaque. Ele balbuciou:

- M-mário?

- Ah, não. Essa é velha. – Respondi.

- É você?

- Não, eu sou o Sunda, me pergunta por quê.

Aí ele agitou a cabeça pareceu se tranqüilizar e atendeu o pedido do cara que estava do meu lado. Claro que fiquei puto, mas, dada a reação anterior dele, não protestei. Vai que ele pegasse um facão debaixo do balcão e vestisse uma máscara de esqui...

Continuei acenando com a consumação. Ele continuou me ignorando. Até que eu estava agitando a coisa como se fosse um sinalizador para orientar o pouso de aviões. Aí ele chegou pra mim, mal-humorado:

- Sim?

- Eu imploro uma ceva.

- O.K.

Eu já nem estava muito a fim de beber, mas insistindo por princípio. Ele voltou com a long neck e olhou pra mim de um jeito estranho (de novo). Será que ia me passar uma cantada?

- O que você fez?

Meu sangue gelou. De repente senti uma necessidade bárbara de confessar que eu não tinha defendido meu amigo Bolota quando ele foi acusado de matar as galinhas do vizinho (era um cachorro, tá?) e condenado à morte. Felizmente, não fiz isso.

- Como assim?

- A história do disfarce.

- Cara, eu não sei do que cê tá falando. Sempre fui feio assim.

Ele me olhou engraçado, depois olhou para o relógio:

- Você vai ficar até o fim do show?

Pior que tavam tocando música. Nem tinha reparado, com a irritação por não ser servido. Aliás, o show tinha toda a cara de ser bom.

- E se eu ficar?

- Eu quero conversar com você.

- Olha, não me leva a mal, mas eu sou hetero...

- Somos dois. Não tem nada a ver com isso. Você pode ficar? Se não eu te dou o telefone daqui...

- Eu fico.

Preferia não assumir compromisso.



Então, tá. O show era legal. Beatles, principalmente, e outros clássicos do Rock. Logo que acabou o pessoal começou a evacuar o bar. Tinham boates a freqüentar, e o bar não ficava aberto muito mais. Aí o barman chegou, com camiseta e jeans em vez do uniforme azul e cinza, e sentou do meu lado. E me contou uma história.

Parece que a galera do bar tinha uma vida divertida. Depois que o trabalho encerrava, eles se juntavam e bebiam os intestinos pra fora. Sempre era alguma coisa boa, não o que serviam para os clientes. Um dia, bêbados, resolveram jogar o “jogo do copo”. E a coisa tinha funcionado. Só que em algum ponto deu merda, ele não mencionou o quê exatamente, mas parece que o “espírito” do copo queria as bolas deles, então alguém levantou o copo e, na hora, faltou luz.

Admito que eu também teria levado um cagaço, mas o fato é que um cara, chamado Mário, tinha morrido em um acidente aquele dia. Era ele o cara que tinha levantado o copo. Que, por sinal, ficou verde.

“Tá e daí?” Daí que, depois que eu tomei a tequila, quem o barman tinha visto em meu lugar era o tal Mário. E ele me propôs um teste: mais uma tequila, por conta da casa. Neguei veementemente e saí dali.

Até parece. De graça, até ônibus errado... tomei o troço e novamente o cara me olhou como se estivesse apaixonado por mim.

- Mário, é você.

- Cara, não viaja. Estou me vendo no espelho. Não mudei nada, não.

Mas dois outros garçons do bar tinham começado a gritar. Bom, pra resumir a ópera, consegui sair ileso, sem buracos de bala (um cara chegou a puxar um revólver que estava escondido embaixo do balcão), e deixei todo mundo estupefato lá. Todos me viram como o tal Mário, por mais infame que seja o nome. E foi consenso geral tirar o copo da prateleira, porque quebrar metia medo em todos eles. Todos se perguntavam por quê o troço era só comigo. Bão, nem eu sei. Mas pode ter alguma coisa a ver com o início deste texto. Cheguei a imaginar se o Mário não teria uma esposa gostosa que eu pudesse visitar com o copo e uma garrafa de tequila, mas não parecia uma coisa sobre a qual ser leviano.

O mais perto que consegui chegar de uma resposta foi o conceito de “epicentro”. Alguém fornece a energia psíquica necessária para a manifestação sobrenatural. No caso, eu, bebendo do copo. Mas nunca tinha acontecido antes. Se quiser que eu seja mais claro, vou dizer com todas as palavras: não sei. E ficamos assim.

O bom foi que, até tudo ser constatado, bebi um monte de graça. E nunca mais voltei, nem sei se tiraram mesmo o copo. Abração.

6 comentários:

Blognâmbulo disse...

Invino, blz de conto.
Particularmente não acredito nessas coisas,pode ser que existam, mas respeito, e acho q não seja errado respeitar algo ainda que não exista. Uns amigos meus tiveram experiências interessantes jogando "uija" com o copo. Um jogo desses nunca deve ser interrompido se o espírito não quiser ir ,e pra isso ele tem que ser "convidado" a retirar-se (acho que todos já ouviram isso). Estes amigos "descobriram" que é possível chamar espíritos especificos: basta perguntar se eles tem algum código com o qual possam ser chamados!

abs

PS: Meus dias de enrolação acabaram. U.R.!

Anônimo disse...

Como o usual, passando para deixar um apenas um elogio e um alô, ou seja: Baita texto e alô!
...
Mãããs como tu mesmo disseste, eu tenho um senso crítico muito estranho! ;-)

Portanto, vamos à parte que achei do baralho:
"Aí coloquei o sal no punho, chupei o limão, dei umas bochechadas naquela coisa, virei a tequila na boca, meus olhos se encheram de lágrimas e engoli. O mundo deu duas piruetas, como de praxe, senti as bochechas inflamando, pensei que ia explodir e fiquei louco por uma cerveja"
Cara... descrição perfeita!
Não sei porque me *ic*dentifico com seu textos!
Abração.

Anônimo disse...

Hahahaha!!!
Mainardi por aqui, confessando sua alcolicidade (existe isso?). Blog, não vou te mentir. Já tentei essa história de Ouija (claro que com papeizinhos e tal...), mas só consegui ficar chateado. E, claro, aconteceram uma série de coisas bizarras, mas atribuímos tudo ao mero acaso. Se quiser mais informações, tá lá no F.A.R.R.A., na seção "Coisas Idiotas que se Faz"...
Abraço!!!

Jonatas Tosta disse...

Viceral, cara!
Bem escrito pra cacete... me envolveu do início ao fim... se desse pra bater palmas pela rede, as mihas se tornariam um purê de sangue ^^
Já está adicionado nos favoritos.

Mas puxando a sardinha um pouco, também escrevo uma história no Carne Humana, se tiver saco dá uma olhada...
Valeu rapaz!

Jonatas Tosta disse...

http://peri-doalem.blogspot.com/
esqueci de mandar a merda do esndereço

Jonatas Tosta disse...

Só para avisar, novo capítulo publicado!
É só clicar no linque acima...^^