sexta-feira, julho 20, 2007

Uma Manhã

Minha irmã era um ano e pouco mais nova que eu e me seguia para todo lado, todas as horas. Pare com esse olhar meigo e preste atenção: eu disse todas as horas. Isso às vezes era bom, brincávamos bastante. Mas também me impedia de praticar todas as vilezas e aberrações de que somente um menino de sete anos é capaz. Por exemplo: besouros. Se eu encontrava um besouro no quintal e começava a atazanar ele, depois pegava, a criatura assumia naturalmente que eu ia colocá-lo em seu cabelo e saía correndo para casa. Depois voltava seguindo a babá, que me repreendia por estar pegando aquelas nojeiras.

O Bolota era o meu cachorro, meu confidente e meu amigo. Ganhou o nome por ter uma mancha redonda no dorso, mas logo começou a merecer o nome também por seu físico. Nossa intimidade não impedia que às vezes houvesse rusgas entre nós. Mas, se eu puxava as suas orelhas, lá ia a minha irmã:

- Manhêêê!! O mano tá maltratando o Bolota!

Nova visita da superintendência, nova bronca. Bom, mesmo com sete anos eu sabia – e até ficava lisonjeado – que ela gostava de minha companhia. Mas eu precisava de algum tempo sozinho, e desenvolvi diversos artifícios para isso. Um deles era me esconder em um canto. Durava às vezes meia hora. Outro deles era sugerir uma brincadeira qualquer, entretê-la por alguns minutos e cair fora, de fininho.

Mas um dia surgiu em minha mente um esquema maquiavélico, perfeito: eu iria mandar ela me procurar. Tá, não é original. Eu havia lido em um gibi a frase “vai ver se estou na esquina” e achei uma alternativa viável.

Assim, quando ela chegou perto de mim, eu disse:

- Vai ver se eu estou do outro lado da casa (não podíamos atravessar as ruas e a esquina estava à vista).

- Tu não tá, não. Tu tá aqui.

Merda. Talvez um pouco de convencimento se fizesse necessário.

- Não tou não, eu garanto que estou do outro lado da casa. Vai lá e vê.

Lá foi ela.

Então veio um outro esquema demoníaco: e se eu estivesse do outro lado da casa? Foi pensamento e ação. Corri para o outro lado da casa, cheguei antes dela, e fiquei fuçando o chão. Ela chegou. Eu cumprimentei.

- Oi.

- Oi.

- O que ce tá fazendo aqui? Tá frio na sombra. Vai pro sol.

- Tu me disse pra te encontrar aqui.

- Eu?

- Sim, ali no outro lado da casa.

- Pois vai e diz pra ele que aqui está muito frio pra ti.

Eu não imagino o que estava se passando na cabeça dela, nem se ela achava normal aquilo – por que não? O fato é que ela foi. E eu também, correndo pelo lado oposto. Mas quando cheguei, quase botei o coração para fora da boca: lá estava ela falando comigo.

Quando me vi chegando fiz sinal para que me aproximasse e falei:

- Fica com ela um pouco, eu quero ficar sozinho.

- Não, ali do outro lado da casa está muito frio pra ela.

- Droga. Então eu vou pra lá e você fica aqui com ela, O.K.?

- Eu quero ficar sozinho também.

- Então vamos fazer o seguinte: par ou ímpar.

Jogamos. Eu perdi. Fiquei do lado do sol com a minha irmã. Fomos brincar na areia. Não antes de eu dar uma olhada no outro lado da casa, com muito cuidado para não me ver.

Eu estava do outro lado, agachado, colocando sal em algumas lesmas. Me olhei nos olhos e sorri. Depois eu não entendi o que aconteceu, mas meu outro eu pareceu sumir, se fundir com as sombras, sempre sorrindo pra mim. Já vi e ouvi muita coisa desde então, mas nada que fosse parecido com isso. A não ser a palavra alemã doppleganger – a contraparte fantasmagórica de um indivíduo vivo. Ouvi que isso acontecia às vezes no momento da morte, em que uma pessoa visita os entes queridos, dá mensagens breves. Mas não foi o caso. Resumindo a ópera: não sei. Não sei mesmo. E, pra mim, assim está bem. Aliás, brincar na areia foi interessante, no fim das contas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu aki de novo!
\o
Bom esse tb, meche um pouco com a mente humana, oq nossa mente realmente é capaz de fazer e criar, mas preferi "A visita".
^^

InVinoVeritas disse...

Hmm... se eu tivesse que apontar meu favorito, acho que seria "O Homúnculo" ou "Pansexual". Gosto dos dois. Mas, Nienna, entende: levei uma hora pra imaginar e escrever.
XD
Não é um graande trabalho. Só uma diversão, brincadeira com conceitos de literatura de horror. Aliás, escrevi dois contos hoje.
(8^o
Mas postei só um porque do outro não gostei, preciso arrumar ele. Um dia...
XD
Obrigado por ler.
Abração.
^^

Blognâmbulo disse...

cara, vc cometeu um erro, o negócio funcionava assim: vamos brincar de esconde-esconde? Vai te esconder enquanto conto até mil! Funcionou todas as vezes, só que agora aplico esse esquema na minha sobrinha de sete anos, rsrs

"O Homúnculo" foi muito bom, mas gostei mais da "A visita", foi mais engraçado. O "O Homúnculo" me lembrou o episódio do pica-pau onde ele tem um duende q mete ele em encrencas, rsrsrs

Abs